Maria Barcelos de Carvalho Coelho
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
O “VIII Fórum Mineiro de Psicanálise” acontecerá nos dias 26/27/28 de agosto na cidade de Bom Despacho_ oeste de Minas Gerais. Escolas de Psicanálise da capital e algumas do interior do Estado iniciam os preparativos, nos quais, desde já, o tema proposto para o evento_ “ O mal-estar na cultura”_ nos causa movimento no sentido de trabalho.
Sabemos que, como sujeitos do inconsciente _ divididos pelo desejo e desdobráveis pelo significante_ abrimo-nos ao que há de mais pulsante na vida cultural:a possibilidade de uma transmissão que traga a marca de um “desejo não anônimo” _ aquele em que o nascimento de um “saber novo” se vincula ao compromisso de cada um. Portanto, cientes de que é pela lógica da diferença na diversidade coletiva, e não pela colagem grupal, que talvez possamos rever posições e pensar um lugar para a psicanálise no mundo contemporâneo.
Em o “Mal Estar na Cultura”, Freud nos propõe refletir sobre a vida coletiva através de sua experiência clínica no trabalho com cada sujeito em sua posição neurótica. Estabelecendo um nexo entre o indivíduo e o coletivo, cria a possibilidade de pensar a cultura pelas ações do sujeito que tem como núcleo de sua neurose o Complexo de Édipo, sendo o seu herdeiro o supereu. No caso das sociedades de tecnologias avançadas, essa herança superegóica, cada vez mais exigente em face aos apelos do “progresso” torna-se um agente crítico e categórico.(...) o medo desse agente crítico,a necessidade de punição, constitui uma manifestação pulsional por parte do eu, que se tornou masoquista sob a influência de um supereu sádico. Sua imposição ao eu é então, o gozar a qualquer preço. Essa é a cota que se cobra ao homem moderno por sua entrada no processo civilizatório. O resultado é a geração de uma angustia inoperante que não leva em conta a ação de uma economia pulsional suportável ao psiquismo humano. Há em jogo uma relação erótica entre o eu e o supereu, indo além do princípio do prazer para entrar no campo do gozo, questão que mais tarde Lacan iria abordar em seu tratamento ao real.
As vicissitudes pelas quais deveriam passar as pulsões agressivas, seus deslocamentos e sublimações e até mesmo o fracasso, na impossibilidade de indicar um empuxo à vida e ao amor na esfera social, são o pano de fundo deste texto escrito em 1930. A atualidade desse texto nos surpreende a cada dia. Basta nos reportarmos às conseqüências nefastas da Usina nuclear de Fukushima no Japão para nos certificarmos do desamparo do homem frente à impossibilidade do controle total da natureza. Freud já chamara a atenção para o sentimento de angustia do homem, na modernidade, quando ele ultrapassa seus limites no “domínio das forças naturais”.
O texto nos aponta, antes de tudo, um paradoxo. De um lado há uma perda para o sujeito_ restrição à libido ou renuncia à pulsão que é colocada a serviço do processo civilizatório. Do outro há o imperativo do gozo que exige desse mesmo sujeito, o excesso, o acirramento da competição, tanto na produção de seus bens de consumo quanto o seu ingresso no campo do conhecimento científico_ o campo das idéias. Dessa maneira configura-se a alienação do sujeito frente à impossibilidade de um “bem estar” psíquico diante da revolução técnica.
Há também o que Freud chama um “estado de coisas” que diz respeito aos grupos constituídos na identificação com os outros, ou à um líder de massa. Sobre esse tema já discorrera longamente em “Psicologia de grupo e análise do eu”. A questão do “narcisismo das pequenas diferenças” aqui aparece mais uma vez para nos lembrar do perigo dessas identificações. Quem sabe hoje, ela nos sirva para revermos nossas posições narcísicas frente à expansão da psicanálise? Mas naquele momento, entre as duas grandes guerras, “quando a ameaça de Hitler já começava a se evidenciar”, Freud decide rever os conceitos psicanalíticos por uma ótica antropológica, e entrega à futuras pesquisas a compreensão sobre um real ainda inassimilável à sua verdade científica.
Pensando no mal estar na psicanálise hoje, pergunto-me se é possível localizá-lo precisamente. É inegável que as fronteiras narcísicas entre as Escolas arrefeceram-se dando lugar à trocas de experiências e acolhimento àqueles que verdadeiramente se comprometem com o inconsciente freudiano. No entanto nunca devemos nos esquecer de que fazendo parte da sociedade humana, somos habitados_ por estrutura_ em grande parcela por pulsões agressivas. Resta-nos então saber transformá-las através do desejo, um “desejo não anônimo”, legítimo e produtivo... e que também nos habita.
Belo- Horizonte, 21 de março de 2011.
Maria Barcelos de Carvalho Coelho
Sabemos que, como sujeitos do inconsciente _ divididos pelo desejo e desdobráveis pelo significante_ abrimo-nos ao que há de mais pulsante na vida cultural:a possibilidade de uma transmissão que traga a marca de um “desejo não anônimo” _ aquele em que o nascimento de um “saber novo” se vincula ao compromisso de cada um. Portanto, cientes de que é pela lógica da diferença na diversidade coletiva, e não pela colagem grupal, que talvez possamos rever posições e pensar um lugar para a psicanálise no mundo contemporâneo.
Em o “Mal Estar na Cultura”, Freud nos propõe refletir sobre a vida coletiva através de sua experiência clínica no trabalho com cada sujeito em sua posição neurótica. Estabelecendo um nexo entre o indivíduo e o coletivo, cria a possibilidade de pensar a cultura pelas ações do sujeito que tem como núcleo de sua neurose o Complexo de Édipo, sendo o seu herdeiro o supereu. No caso das sociedades de tecnologias avançadas, essa herança superegóica, cada vez mais exigente em face aos apelos do “progresso” torna-se um agente crítico e categórico.(...) o medo desse agente crítico,a necessidade de punição, constitui uma manifestação pulsional por parte do eu, que se tornou masoquista sob a influência de um supereu sádico. Sua imposição ao eu é então, o gozar a qualquer preço. Essa é a cota que se cobra ao homem moderno por sua entrada no processo civilizatório. O resultado é a geração de uma angustia inoperante que não leva em conta a ação de uma economia pulsional suportável ao psiquismo humano. Há em jogo uma relação erótica entre o eu e o supereu, indo além do princípio do prazer para entrar no campo do gozo, questão que mais tarde Lacan iria abordar em seu tratamento ao real.
As vicissitudes pelas quais deveriam passar as pulsões agressivas, seus deslocamentos e sublimações e até mesmo o fracasso, na impossibilidade de indicar um empuxo à vida e ao amor na esfera social, são o pano de fundo deste texto escrito em 1930. A atualidade desse texto nos surpreende a cada dia. Basta nos reportarmos às conseqüências nefastas da Usina nuclear de Fukushima no Japão para nos certificarmos do desamparo do homem frente à impossibilidade do controle total da natureza. Freud já chamara a atenção para o sentimento de angustia do homem, na modernidade, quando ele ultrapassa seus limites no “domínio das forças naturais”.
O texto nos aponta, antes de tudo, um paradoxo. De um lado há uma perda para o sujeito_ restrição à libido ou renuncia à pulsão que é colocada a serviço do processo civilizatório. Do outro há o imperativo do gozo que exige desse mesmo sujeito, o excesso, o acirramento da competição, tanto na produção de seus bens de consumo quanto o seu ingresso no campo do conhecimento científico_ o campo das idéias. Dessa maneira configura-se a alienação do sujeito frente à impossibilidade de um “bem estar” psíquico diante da revolução técnica.
Há também o que Freud chama um “estado de coisas” que diz respeito aos grupos constituídos na identificação com os outros, ou à um líder de massa. Sobre esse tema já discorrera longamente em “Psicologia de grupo e análise do eu”. A questão do “narcisismo das pequenas diferenças” aqui aparece mais uma vez para nos lembrar do perigo dessas identificações. Quem sabe hoje, ela nos sirva para revermos nossas posições narcísicas frente à expansão da psicanálise? Mas naquele momento, entre as duas grandes guerras, “quando a ameaça de Hitler já começava a se evidenciar”, Freud decide rever os conceitos psicanalíticos por uma ótica antropológica, e entrega à futuras pesquisas a compreensão sobre um real ainda inassimilável à sua verdade científica.
Pensando no mal estar na psicanálise hoje, pergunto-me se é possível localizá-lo precisamente. É inegável que as fronteiras narcísicas entre as Escolas arrefeceram-se dando lugar à trocas de experiências e acolhimento àqueles que verdadeiramente se comprometem com o inconsciente freudiano. No entanto nunca devemos nos esquecer de que fazendo parte da sociedade humana, somos habitados_ por estrutura_ em grande parcela por pulsões agressivas. Resta-nos então saber transformá-las através do desejo, um “desejo não anônimo”, legítimo e produtivo... e que também nos habita.
Belo- Horizonte, 21 de março de 2011.
Maria Barcelos de Carvalho Coelho
LACAN, JACQUES. Nota sobre a criança p.369;In: “Outros Escritos”. Jorge Zahar Ed. 2003
FREUD, SIGMUND. “O mal estar na civilização”. P.161 Obras completas de Sigmund Freud Imago Editora, 1982
FREUD, SIGMUND. “O mal estar na civilização”. P.161 Obras completas de Sigmund Freud Imago Editora, 1982
Comentando apenas parte do que se coloca neste ótimo texto: É mesmo impossível que catástofes como as que tem acontecido ao homem nos últimos tempos não nos remetam a questões já levantadas por Freud. Na França vi dicussões assim sobre a atualidade chamadas de 'a psicanálise e seus liames sociais'. Nesse caso do Japão e os outros em que o homem é solapado e inerme frente à natureza e às consequências de sua ciência, 'os liames' não são singelamente sociais, mas com o incontrolável. Tilah
ResponderExcluirMaria Barcelos: Tilah é Maria Antonieta Amarante de Mendonça Cohen, professora da Fale/UFMG,que comentou seu texto e esteve na Jornada de hoje, sessão da tarde.Totalmente envolvida com as questões psi.
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