terça-feira, 7 de abril de 2009

Adolescência e tecnologia: uma reflexão*

Adolescência e tecnologia: uma reflexão*

Sandra Marilia Calleon



Freud em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade afirma que “a criança traz consigo ao mundo germes de atividade sexual e que, já ao se alimentar, goza de uma satisfação sexual” (Freud, 1905, vol. VII, pág. 219). Considera ainda que a excitação sexual se caracteriza como resultado de vários processos que ocorrem no organismo, gerando fontes não conjugadas de prazer, caracterizando, assim, a pulsão sexual na infância de auto-erótica. Com a chegada da puberdade, a pulsão vai ao reencontro do objeto, subordinando as zonas erógenas ao primado das zonas genitais. Essa passagem caracteriza a adolescência, que, para a psicanálise, é marcada por um tempo lógico de reencontro com o real do sexo. Momento de transição da infância para a vida adulta, repleto de inquietações e resquícios das primeiras experiências da criança com seus pais, ou seja, a passagem pelo Complexo de Édipo.
Além do movimento pulsional que o adolescente atravessa, ele é convocado a se implicar em suas escolhas objetais, assim como também é convidado a se posicionar perante o rompimento com o narcisismo dos pais. Para Bernard Nominé, o conceito mais adequado para a compreensão da adolescência é o de narcisismo. Para esse autor, o fato de a criança ser objeto do narcisismo dos pais é importante para a constituição psíquica do sujeito, apresentando as consequências deste momento de construção subjetiva de forma evidente na adolescência. Nominé menciona ainda que, a criança que não é investida de tal maneira pelos pais está sujeita, como no caso das cidades de terceiro mundo, a ser abandonada e colocada a serviço do gozo , prostituindo-se ou entrando para o mundo da violência. Ele ratifica que desta forma então não há adolescência. Seguindo esse pensamento de Nominé, é preferível que a criança seja objeto de narcisismo dos pais do que objeto de gozo para a sociedade. Portanto, o narcisismo tem seu lugar privilegiado para o futuro de uma criança, principalmente na adolescência. Mas, ao mesmo tempo em que esse conceito adquire tal prestígio, Nominé nos alerta sobre os limites em que o narcisismo deve acontecer, pois,
“Toda a problemática do adolescente reside em abrir mão da identificação com a imagem narcísica para entrar na vida adulta (...); o que é doloroso na passagem da infância à idade adulta é que a perda da imagem narcísica desvela a verdade daquilo que é, não a criança, mas o sujeito, primitiva e essencialmente”. (Nominé, 2001, p.37)
Com base nessas idéias, podemos dizer que na adolescência é vislumbrado o momento de oposição a esse lugar ocupado durante a infância, marcado por uma intensa desvalorização à imagem produzida pelos pais, havendo a perda do reinado infantil.
Um ponto que nos chama a atenção, no que diz respeito à adolescência na contemporaneidade, é sobre as questões que versam sobre a tecnologia na vida dos jovens. As ofertas são bem atraentes: celulares com múltiplas funções, orkut, jogos virtuais, vídeo-games, etc.... enfim, atributos que aceleram a comunicação para qualquer indivíduo além de proporcionarem diversão. Porém, é importante questionar como esses atributos se elencam na vida dos adolescentes. Favorecem ou atrapalham o penoso caminho que o adolescente percorre? Não é objetivo desta reflexão, defender ou abominar a tecnologia e, sim, apenas destacar que há uma influência, em certa medida, na vida psíquica das pessoas, em especial na dos adolescentes. Atualmente a tecnologia foi inserida em nosso cotidiano de forma que é inadmissível sua ausência, o que nos convida a pensar em que proporção essa influência se apresenta em nossas vidas.
Em Entre Atos e Laços, livro que concentra importantes reflexões sobre a adolescência, o avanço da tecnologia na vida do adolescente é considerado como da ordem da urgência, da pressa. É exposto que a exterioridade do puro prazer se opõe ao trabalho psíquico no contexto do universo de gozo da modernidade e, para o adolescente de hoje, é necessário muito trabalho a fim de dar conta dos processos psíquicos oriundos da puberdade e também dos laços sociais. Ainda nesse livro, é considerada a questão do campo do simbólico na vida do adolescente. É apontado que houve uma mudança no mecanismo cultural dos ritos de passagem, que permitiam a travessia da infância para o mundo adulto. Atualmente, quando não é mais possível contar com esses ritos, o adolescente se vê impossibilitado de lutar contra os impasses que surgem com a confrontação com o real, impossível de se simbolizar . O simbólico, portanto, não é capaz de suportar o advento do real da sexualidade. E como consequência,
“Nesse momento, o sujeito faz um apelo ao Pai, como função simbólica, na tentativa de dar conta do gozo que o invade, mas o pai falha em sua resposta. Falha na função paterna que habilita o sujeito a transitar na sociedade sem a tutela de seu meio familiar infantil.(...) No lugar em que deveria haver um Outro, o sujeito se vê confrontado com o vazio. Onde o adolescente irá se ancorar se já perdeu suas antigas referências? Irá se sustentar no Nome-do-Pai, no pai da linguagem, aquele a quem a mãe faz referência em seu discurso.”(Oliveira, 2006 p.35-36)
Retomando a questão da tecnologia na vida do adolescente, é comum sabermos de jogos disponíveis na internet onde qualquer pessoa pode entrar nas salas e começar a jogar. São conteúdos bem variados que vão de montar uma vida paralela ao mundo real até aos jogos já prontos em que o jogador é um ladrão que quanto mais leis da sociedade ele infringir, mais bem sucedido ele será no jogo. Essa ficção merece uma certa atenção não somente por ser tratar de adolescência mas, de qualquer ser humano que queira ter esse tipo de lazer. É interessante a discriminação dessa situação, pois o jogo pode estar servindo apenas ao descanso. Porém, podemos também levantar a questão de que eventualmente esse envolvimento colado ao jogo pode servir ao gozo. Sabemos que a linha que divide ficção e realidade é muito tênue para algumas estruturas clínicas. Esse fato se torna questionável, dada a facilidade em que esses jogos estão disponíveis para serem acessados. Como um exemplo, há os jogos online em que adolescentes e adultos se perdem em horas de jogos, entretidos com as atrativas tramas. O envolvimento é tanto que há registros de pessoas que ficaram mais de vinte e quatro horas direto jogando. Há aqui a evidência de um exagero, que pode ser chamado de gozo. Pode ser que através desse exagero haja um pedido de sustentação, quando a função paterna em seu sentido simbólico da castração, desempenha tal suporte. Concordando com o texto Adolescência e Modernidade, de Maria Tereza Guido M. de Oliveira, temos
“Nesse ideal vivenciado pelos jovens de hoje, está a satisfação narcísica que traz o imperativo do gozo absoluto; deve-se gozar dos objetos aqui e agora, sem interdições, mais e mais, sem limites.” (Oliveira, 2006, p. 34)
O exemplo citado nos convida a pensar na importância da função paterna para a organização psíquica dos adolescentes. O corte que esse pai da linguagem faz para o sujeito é necessário e fundamental para que o adolescente se implique com o seu a mais, com o fato de ter ido além da conta.
Com relação à clínica psicanalítica de adolescentes, podemos pensar nas possíveis pistas que são dadas sobre o uso da tecnologia. Existem os casos em que o interesse pelos jogos, a adesão a serviços de internet, etc... podem servir como uma ponte para o adolescente se deparar com suas perdas. Dado que na adolescência se dá o encontro-iniciação com a falta no campo do Outro, é possível concluir que os atributos tecnológicos servem de apoio para a separação que o adolescente faz de seus pais, antes ideais, na infância, possibilitando que o jovem seja efetivamente introduzido no laço social, fazendo suas escolhas. Ficção e tecnologia de um modo geral, podem ser vistas como uma forma de o adolescente se reinscrever no simbólico, com o mal estar que advém do reencontro com o real do sexo.
A clínica da adolescência, por sua vez, é uma tentativa de fazer laço entre o analista e o “sujeito ex-criança”, de modo que haja mais possibilidades de suporte para as novas inscrições que versam sobre o desejo e ao destronamento dos pais da infância. A experiência da reedição do Édipo é sofrida para o adolescente, porém, através de uma análise, é possível que novas tramas sejam tecidas. Podemos arriscar dizer que o adolescente muitas vezes chega à análise como uma criança, levado pelos pais numa posição de objeto de gozo desses pais. Porém, o adolescente começa a se organizar psiquicamente rompendo esse lugar ocupado até então, responsabilizando-se por seus atos. Há aqui a aposta no sujeito. Nas palavras de Bernard Nominé, “o adolescente perdeu o valor de sua imagem no narcisismo dos pais, porém ele se veste agora com as cores de seu próprio narcisismo, o qual se opõe violentamente aos ideais paternos” (Nominé, 2001, p. 42). Clínica complexa, provida dos esperados nós. Nós que podem circular no mundo virtual, mas que não passam do mais puro real.

Referências bibliográficas:
CURI, Thereza Christina B. De sonhos e enigmas. In: CURI,Thereza C. B C. (org) Entre atos e laços: adolescência e psicanálise. Belo Horizonte: Edição dos autores, 2006.
FREUD, Sigmund. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Tradução de Paulo Dias Corrêa. Rio de Janeiro: Imago, 2002.
NOMINÉ, Bernard. A adolescência ou a queda do anjo. In: Marraio, nº1 - Da Infância à adolescência. Editora Rios Ambiciosos. Abril/2001.
OLIVEIRA, Maria Tereza Guido M. Adolescência e a modernidade. In: CURI, Thereza C. B C. (org) Entre atos e laços: adolescência e psicanálise. Belo Horizonte: Edição dos autores, 2006.

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