Aloysio Bello
Psicanalista
Membro da Escola Feudiana de BH/iepsi
aloysiobello@uol.com.br
(31) 9636-1637
Sumário: A clínica do caso por caso é oposta às estruturas clínicas?Psicanalista
Membro da Escola Feudiana de BH/iepsi
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Sommaire: La clinique du cas à cas est-elle-opposée aux structures cliniques?
Unitermos: Caso por caso, estrutura clínica
Unitermes: Cas à cas, structure clinique
Muitos psicanalistas rechaçam, na atualidade, a aplicação do conceito de “estrutura clínica” na psicanálise. Isso acontece especialmente em um campo, o dos seguidores das concepções de Jacques Lacan que se referem a um último Lacan. Isso resulta paradoxal, já que se poderia dizer que “estrutura clínica” pertenceria ao conjunto de conceitos fundamentais introduzidos na psicanálise pelo ensino de Lacan, pelo menos
segundo o critério de muitos psicanalistas. Isso significa que são alguns “psicanalistas, lacanianos” os que com mais decisão rechaçam o que pode ser considerado por outros como um conceito fundamental no ensino de Lacan.
“Em 1948, aconselhado por Leuba, fui ver os sete sábios da Sociedade Psicanalítica de Paris. Foram muito gentis e quiseram saber quem eu era: masoquista, histérico, obsessivo? Com Lacan, encontrei alguém que não se interessava por quem eu era, mas pelo que eu dizia. Isso logo me pareceu bem mais interessante”. (Jean Clavreul em entrevista a Moustapha Safouan, Trabalhando com Lacan, organizadores Alain Didier-Weill e Moustapha Safouan, Zahar,2009, Rio).
“Las diferencias entre cualquier tipo de psicopatologia y las estructuras clínicas pueden ser expresadas mediante la referencia a los dos grandes modelos popularizados del investigador científico – el primero muchísimo mas difundido que el segundo - a saber: aquel en que el científico mira a través del microscopio al objeto de estudio, al que compara con sus tablas y otro – el de la física cuántica – en el que el investigador no puede dejar de intervenir y modificar por su participación en aquello que desea investigar.” ( Alfredo Eidelsztein, Las estructuras clínicas a partir de Lacan”, vol. II, Letra Viva, 2008, Buenos Aires).
Rechaçam a “estrutura clínica” com o entendimento de que ela contradiz o espírito e a orientação fundamental da proposta lacaniana. Supõem que a noção de sujeito particular ou singular é irrenunciável para todo analista que se posicione em sua clínica como “lacaniano” e assim concluem que se deve rejeitar qualquer noção que agrupe, compare ou assimile casos em sua prática. Pensam que se trata de eleger, desde que é uma “clínica do caso por caso”, entre conceber o caso como único, sem possibilidade de repetição, ou como estrutura clínica, na forma, por exemplo, de histeria ou obsessão, o que não resultaria em caso particular e seria obstáculo para a neutralidade na análise e poderia aprisionar em um diagnóstico, talvez precipitado.
Cabe esclarecer que na lógica individualista de Freud a incorporação do conceito “estrutura clínica” de cunho lacaniano pode ler-se tanto como enfermidade, como elemento de comparação entre indivíduos; já a proposta de Lacan é relativa ao saber sobre os limites e as possibilidades dos laços sociais que a estrutura possibilita em determinado contexto sociocultural. Segundo Lacan, deve-se é operar com uma lógica que articule o particular do caso com as possibilidades e impossibilidades da estrutura. Como afirma Yolanda Meira, “tentando articular estrutura e sujeito, temos que o sujeito é efeito da ação estruturante da estrutura. Sujeito, afirma ela, a “produzir-se, que deverá fazer sua parte durante o caminho”. E conclui ela, com Lacan, em Les dupes errent: “A estrutura é o que se coloca entre o nascimento e a morte”. E Lacan indica que o que responde à mesma estrutura não tem forçosamente o mesmo sentido. Por isso mesmo, diz ele na Introdução à edição alemã de um primeiro volume dos Escritos, não há análise senão do particular: não é absolutamente de um sentido único que uma mesma estrutura procede, menos ainda quando sua estrutura alcança o discurso. Na verdade, afirma ele, um caso não é um indivíduo, nem uma enfermidade, devido à presença não eliminável do Outro: o que Lacan designa “imixão de Outro. A estrutura, tal como expõe Alfredo Eidelsztein, sempre implica o sujeito em imixão (immixing em inglês, immixion em francês) – em uma mistura tal que os componentes se encontram em uma forma de relação na qual perderam a identidade – não só em abraço com o Outro mas também havendo perdido toda possibilidade de identidade. O tão idealizado “caso por caso” não implicaria pela confusão diagnosticada nos ensinos de Freud e Lacan uma tentativa desesperada de encontrar a tal identidade particular?
Voltando ao estruturalismo original da antropologia, trabalhado por Lacan nos seus primórdios, verificamos que nele a estrutura é uma grade de tipos, coerente e completa. A estrutura articulada por Lacan, porém, é uma estrutura que captura um ser vivo particular, um ser vivo que fala. Na primeira situação, as estruturas enquadrariam os sujeitos em determinadas categorias. E é isso que nos deve sempre colocar em estado de alerta, pois a estrutura de Lacan não é uma potência invisível que atua como uma mão oculta. Devemos é escutar primeiro e prioritariamente, sempre, quem nos procura como psicanalistas e conduzi-lo ao encontro daquilo que o singulariza e o afasta de seu enquadramento inabalável em uma categoria geral.
Devemos, na verdade, quando chegados a um diagnóstico, mantê-lo para a direção do tratamento psicanalítico que sustentamos e utilizar a delimitação de diferenças estruturais para melhor articularmos a direção do tratamento. Assumir uma postura que minimize o risco de desarticular a escuta do analista e as associações do analisando com incentivo à adoção de uma determinada estrutura. Impedir que o uso do diagnóstico seja uma forma de estimular uma determinada identificação, ao se reunir um conjunto de sujeitos, abolindo sua particularidade, como se faz, às vezes, em uma instituição escolar ortodoxa ou nas forças armadas em que a unanimidade para o membro seja uma obrigação. E, na palavra de Nelson Rodrigues, burra. Como escreveu Colette Soler, diagnosticar pode orientar mas também pode desorientar. Quando orienta? Orienta quando realizar um diagnóstico consiste em concluir sobre a estrutura, não tanto da pessoa, mas da estrutura do material clínico que o paciente apresenta. Neste caso, vale a pena diagnosticar. Todo diagnóstico, entretanto, inclusive o estrutural, é segregativo e implica um juízo de valor, muito forte e direcionador para o analisando, sobretudo por se originar de um sujeito suposto saber.
Seria a definição da estrutura clínica indispensável para que o analista ocupe seu lugar na transferência, na dialética de cada caso para destacar, apontar os significantes constituintes de sua história? Seriam os denominados borderlines ou casos inclassificáveis, adotados por um grupo de analistas, um abandono das estruturas clínicas? Devemos pensar o trabalho na clínica com dois momentos: um primeiro, em que recebemos o paciente em sua singularidade, sem compará-lo com ninguém, considerando-o como inclassificável neste tempo; um segundo momento, estruturalista, em que verificamos os tipos de sintoma e de estrutura? E em vez de classificar como inclassificável, seria mais adequado considerar o caso como indiscernível, por não se saber onde colocá-lo, sem obrigação de classificação urgente? e para que e para quem a urgência?
A melhor condução da análise seria a abertura para que cada sujeito se singularize, fazendo prevalecer o que tem de único em sua produção, em sua relação com o Outro e os outros, assumindo sua singularidade mas sem se recolher, cortar seus laços sociais e se isolar do mundo: no man is a island! ( John Donne, Meditation XVII). Ou alguns são?
Referências: 1.Alfredo Eidelsztein, Las estructuras clínicas a partir de Lacan, Letra viva, Buenos Aires, 2008; 2. Mário Eduardo da Costa Pereira, O geral das estruturas clínicas e a singularidade do sofrimento: encontros e desencontros, in Psicanálise e Psiquiatria, Marca d´Água, Rio, 2001; 3.José Monseny, A ética psicanalítica do diagnóstico, in Psicanálise e Psiquiatria, idem; 4. Antonio Quinet, Como se diagnostica hoje? in Psicanálise e Psiquiatria, idem ibidem; 5. Jacques-Alain Miller, Recorrido de Lacan, Manantial, Buenos Aires, 1991; 6.Yolanda Mourão Meira, As estruturas clínicas e a criança, Casa do Psicólogo, São Paulo, 2004.
Aloysio Bello
Psicanalista
Membro da Escola Feudiana de BH/iepsi
Participante do Seminário da Prática Psicanalista de Belo Horizonte
aloysiobello@uol.com.br
(31) 9636-1637
Texto publicado na Grîphos Psicanálise nº23, junho de 2010, revista da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
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