Maria Beatriz de Assis C Jardim
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
Existe certa polêmica sobre a autoria e autenticidade da obra de Helena Morley[2], na verdade Alice Dayrell Caldeira Brant.
Minha Vida de Menina foi escrito em 1893 e editado pela primeira vez em 1942, quando a autora já estava adulta.
Roberto Scharz, em “Duas Meninas”[3], descreve Helena como “uma menina precoce, que desenvolveu o sentido crítico e a capacidade de expressão num momento em que a criança ainda prefere a cozinha à sala, os empregados aos pais, os pobres e os trabalhadores à gente de bem, a mistura social e racial dos brinquedos de rua à propriedade e à distinção de classe”.
Em outro momento ele diz: “Há um episódio que mostra bem a sedução exercida pelos modos despachados de Helena, que chega em casa num dia de chuva e da porta da rua foi sacudindo as pernas e atirando as botinas (arrebentadas e encharcadas) no corredor. O rapaz que por acaso presenciou a cena diz à irmã que sabe que vai ficar solteirão, porque só se casará com uma moça que faça aquele gesto perto dele e sabe que não encontrará”. Ele acrescenta: “A quem ocorreria esta precisão da imagem erótica em ambiente pobre e supostamente ingênuo de cidade provinciana?”
Muitos elogios para uma obra adolescente acabaram por despertar dúvidas. Na nota introdutória Helena Morley, adulta, assegura que pouquíssimas mudanças foram feitas no original. Há insinuações de que talvez Mário Brant, o marido da autora, teria feito uma hábil revisão e talvez cortado certas partes do livro que não seriam de seu interesse que fossem publicadas. Portanto, cabe a cada leitor chegar a sua própria conclusão com relação a autenticidade da obra.
Helena conta que escreve seu diário a conselho do pai, para guardar as suas lembranças para o futuro, e é com delicadeza e humor que registra momentos significativos de seus 13, 14 e 15 anos, passados em Diamantina nos anos de 1893 a 1895.
Destacarei aqui alguns destes momentos registrados por Helena:
- Freud diz, em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”[4], que com a chegada da puberdade introduzem-se as mudanças que levam a vida sexual infantil à sua configuração normal definitiva. Ele compara este período à travessia de um túnel perfurado desde ambas as extremidades. Para desligar-se da autoridade dos pais e fazer a travessia, muitas vezes é preciso certa rebeldia.
Em 1893, com 13 anos, no turbilhão da adolescência, Helena escreve:
“Eu sou impaciente, rebelde, respondona, passeadeira, incapaz de obedecer e tudo o que quiserem que eu seja. Todos me chamam de menina rebelde”. (pag. 78)
A adolescência é assim, como diz Jefferson Machado[5], apenas o despertar, o início da travessia que não se conclui sem dor.
Diante do estranho familiar o horror aparece e Helena registra: “Nossa família tem um homem, que nem ao meu caderno eu conto quem é, que gosta de por a minha mão entre as dele e me agradar, para agradar vovó. Que horror eu tenho. Fico tão arrepiada que parece que minha mão está em cima de um calango”. (pag.89)
Em 1894, com 14 anos, Helena parece sentir um mal-estar diante de certas situações: “Por que minhas amigas se incomodam tanto com minha vida? Sempre vem uma amiga com um recado de um irmão ou do primo ou de um rapaz para mim. Fininha me levou uma poesia que o irmão me fez. Eu vou dizendo a todas que não quero namorado, que não gosto de ninguém e que me deixem em paz.” (pag.86)
Com 15 anos, Helena escreve: “Adoro fazer castelos e cada dia faço um mais lindo... Os que tenho feito ultimamente são tão bons, que até gosto de perder o sono só pra pensar neles. Não me importo de realizá-los e nem penso mesmo nisso. Fazê-los me basta.” (pág.328)
Ela não revela suas fantasias, em “Escritores Criativos e Devaneio”[6] Freud diz que o indivíduo que devaneia oculta cuidadosamente suas fantasias dos demais, pois elas são a realização de um desejo, uma correção da realidade insatisfeita.
Para finalizar citarei Guimarães Rosa: “Imaginemos que o livro se tratasse de uma impostura literária e tivesse sido escrito, digamos, pela autora adulta. Neste caso, estaríamos diante de um “caso” extraordinário, pois, que soubesse, não existia em nenhuma outra literatura mais pujante exemplo de tão literal reconstrução da infância.” [7]
Maria Beatriz de Assis C Jardim
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
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[1] Texto apresentado no Seminário Despertar da puberdade : Escritas de uma passagem;
[2] MORLEY, Helena. Minha Vida De Menina.
[3] SCHARZ, Roberto. Duas Meninas, p.79 e p.89
[4] FREUD, S. ‘Tres ensaios sobre a teoria da sexualidade’, 1987, v. VII
[5] PINTO, Jeferson Machado, Texto O Despertar Do Sonho DA ‘MonossexualidadeInfantil’, pag. 29 do livro Entre Atos e Laços
[6] FREUD, S. ‘Escritores Criativos e Devaneios’, ESB, Rio de Janeiro, Imago, 1990, V. IX, p.157
[7] MORLEY, Helena. Minha Vida De Menina, p.8
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