Yáskara Sotero Natividade Veado
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
Uma paciente chega ao meu consultório com a queixa de ter uma ‘’coceira interna’’ há dois anos. A coceira se localiza no abdômen um pouco acima da cicatriz das três cesarianas.
_ “Quando a coceira aparece quase fico louca, a única forma de parar é com o uso de corticóide. A dosagem é de 40 mg ao dia e eu mesma diminuo quando a coceira é menor. Já passei por clínico geral, ginecologista, neurologista, alergista, psiquiatra e dermatologista. Com o clínico geral e a dermatologista faço consultas mensais, e são os dois que me medicam com Fluoxetina e corticóide, atualmente”.
Em 1916 -1917 Freud em sua conferência XXIII trabalha a formação do sintoma e, diz que os sintomas neuróticos são resultado de um conflito e que este surge em relação com um novo método de satisfazer a pulsão. Este conflito se dá entre duas forças opostas , uma parte da personalidade defende a causa de determinados desejos, enquanto a outra se opõe a eles e os rechaça. Nos sintomas estas duas forças que se opunham, reconciliam-se. Também sabemos que um dos componentes psíquicos do conflito é a pulsão insatisfeita, que repelida pela realidade, deve procurar outras vias para se satisfazer.
Fica clara a realização do sintoma com o gozo proibido, este deve ser tratado como um enigma a ser decifrado, uma realização que não pode acontecer e necessita ser substituída, substituição esta que diz respeito a uma satisfação proibida relacionada ao desejo. Tratar o sintoma assim é des-supor um saber sobre ele.
A psicanálise trata o sintoma sem liquida-lo, pois há algo nele que permanece, algo do real indizível que sempre retorna e que “cessa de não se escrever”. “Aquilo que não pode ser dito, tem que ser escrito”. Pelo sintoma esta inscrição é feita no corpo desta paciente, uma coceira interna insuportável.
O sintoma implica em um processo de divisão do sujeito, uma solução de compromisso entre os processos inconscientes recalcados e o seu retorno pela via da substituição.
Pelo trabalho de substituição metafórica aparece algo do sentido do real da sexualidade.
“O que a analista institui é a histerização do discurso, ou seja, a introdução estrutural, em condições artificiais, do discurso da histérica”¹.
Através da experiência construída em sua análise, o analista sabe que na saída do processo analítico há um vazio, a não existência da relação sexual. Por tudo isto, ele tem condições estruturais de possibilitar, pela transferência, que o discurso inicial com que o paciente chega, do mestre, faça um giro e caia no discurso da histérica.
No fala da histérica há um sujeito do sintoma como agente do processo de início de análise.
A insistência de gozo, resiste ao sentido, “não quero saber de nada”. Então há no discurso histérico, uma recusa ao saber sobre a divisão que o sexo opera.
O saber da histérica é inútil, pois ela está alienada ao Outro em posição de mestria ou ideal. Desta forma é um saber marcado pela impotência visto que não lhe retorna como algo do inconsciente que diz da verdade que não se sabe. É impotência porque protege o sujeito da impossibilidade do real.
S S1: a histérica se dirige ao S1 que esta no lugar Outro e espera dele significantes, respostas para o seu mau, nesta busca ela se coloca nas mãos do mestre, sem poder ter acesso ao objeto de seu desejo, pois esta condenada a ser objeto do desejo do outro. O interessante é que ao mesmo tempo em que está nesta posição de dependência imaginária do saber do mestre, o castra na medida em que se coloca como impotente para interrogar sobre seu desejo.
a//S2 A verdade deste discurso aparece no gozo que sustenta sua divisão, seu sintoma.
Pela castração o gozo se articula com a repetição na cadeia significante, deixando a histérica queixosa, insatisfeita. _ “Eu não sei mais o que fazer, nada na minha vida adianta”, frase que se repete no discurso desta histérica.
Este é um momento de resistência, momento difícil pois ceder ao sintoma é ter a verdade do sujeito aprisionada, é ceder ao gozo irredutível do real. “O que a histérica reprime, e na verdade promove, é esse ponto ao infinito do gozo como absoluto”. Ela coloca A mulher, como também o mestre, como aquele que detém o saber, ocupando o lugar do Outro absoluto.
Neste caso a analista não cai no jogo que a histérica faz, que é de deixar o mestre ou o médico,no lugar absoluto do Outro. A analista faz semblante de boba, quando a cliente lhe pergunta o que eu tenho “doutora”, que coceira é essa? A analista não responde, e põe a cliente a falar mais, o que propicia o giro no discurso, pois não estando no lugar de mestria, como os médicos se colocavam, o analista aponta para a passagem da impotência para a impossibilidade, não existe “o” significante capaz de fechar esta pergunta nem “a” resposta.
Quando ela menciona a coceira interna insuportável, a analista escuta este significante e devolve a ela “insuportável”, o que você não suporta mais? Sem resposta. Termina a sessão.
Na sessão seguinte ela retorna e me pergunta porque eu parei a sessão naquele ponto, não respondo. Ela continua a falar da coceira, de como esta sendo difícil continuar a tomar os 40 mg de corticóide, reclama bastante e diz que precisa parar pois já esta toda inchada. Pergunto a ela: - Coceira interna, desde quando, o que isto te faz pensar?
– Começou há dois anos e pouco , logo após meu marido ter se tornado impotente. ““.
- “Ah é”. Friso.
Este significante que estava fora da cadeia, pode agora com a interpretação da analista, entrar na cadeia e se deslocar para um outro significante “impotência sexual do marido”, o discurso então faz um giro, de uma demanda médica inicial a uma demanda de análise. Com o giro o seu discurso muda começando a aparecer um sujeito cindido, atravessado pelo desejo e gozo. Ela diz da falta da relação sexual e da não complementariedade com o marido. Marca um passo de sentido, pois, “coceira interna”, significante que não lhe dizia nada aparece agora com um novo sentido, falta de relação sexual. Os diagnósticos médicos são questionados, a coceira é por causa da cicatriz das cesarianas, ou pode ser uma alergia causada por roupas, etc. ela já não acredita mais nisso.
Já aparece um sujeito dividido que no discurso histérico não mais admite nenhuma totalização, nem plenitude de sentido. Então o significante concatenado, metafórica e metonimicamente determina que não há verdade alguma, que o significante traduza, pois ele precisa de um outro, e este outro precisa de um outro... O sentido cai enquanto “saber” para surgir de outra forma, como produção que necessita ser decifrada na articulação significante.
“Eu preciso falar mais, não é doutora?”
Então o significante representa o sujeito no caráter de representante e não de representação, pois o próximo representante nada sabe se representa um sujeito.
Esta paciente que se encontra submetida, alienada numa repetição gozoza, pode agora ter acesso a um saber S2/Significante trazido por ela – impotência, a um saber, que não se sabe, que é o saber do inconsciente. Faz-se assim um corte, que aponta para uma falta enquanto mulher. Faz-se uma interrogação entre a mãe e a mulher. “- Doutora eu sou muito mais mãe do que mulher”! Aparece um sujeito dividido, produto de uma irrupção do S1 na cadeia significante, S2. O S1 marca assim a primeira identificação do sujeito, traço unário, estando o sujeito enquanto tal ausente.
Este sujeito é marcado por uma barra que o divide e, que não será possível elimina-la, abrindo-se,desta forma, uma brecha para o desejo.
“Doutora, já foi tão diferente um dia, namorávamos, íamos para motel, até as meninas nascerem, mas eu não vou desistir dele.”
Falando em desejo é necessário introduzir o objeto “a”, causa de desejo e mais-de-gozar. O objeto “a” não é algo do desenvolvimento do ser humano, ele é resultado de uma operação do simbólico no real, da homeostase do prazer ao gozo. Surge pelo efeito do significante e desperta o desejo, e enquanto objeto metonímico, se desloca pela cadeia significante, não podendo ser capturado. Não é a falta que causa o significante, o significante introduz a falta no real, por isto Lacan diz: no real nada falta.
“Se a mulher pode surgir como castrada, privada para ser mais, exata, é porque na ordem simbólica na primazia do falo, significante simbólico, faz surgir este objeto imaginário que falta ali onde no real nada falta, o falo materno, atributo imaginário da mãe fálica”².
Colocando as crianças no lugar do falo, nada falta à mãe, é isto que esta cliente faz, mas ainda assim não adianta, pois a coceira insiste e resiste. Agora ela fala mais sobre a relação – mãe – filhas – pai. Nesta família o pai fica de fora, é impotente diante das filhas, a mãe não permite a intervenção dele, ela se encontra em uma posição fálica. Para ser mulher ela precisará abdicar deste lugar de mãe, fálica, pelo discurso do analista que este giro poderá se fazer.
Neste caso, a cliente só vai procurar uma análise diante da fala de uma médica: “olha eu não tenho mais o que fazer, o seu caso não é um caso para a medicina, procure uma analista”. A médica dá uma brecha, mostra-se impotente diante do caso. A médica saindo da posição fálica, de mestria dá uma possibilidade a ela, de buscar algo mais. Como também foi a analista, trabalhando neste lugar de agente como objeto “a”, que propiciou o giro do discurso, pois nem o discurso do mestre, nem do universitário dão conta do discurso da histérica. Para o discurso da histérica é preciso o discurso do analista, que tem como agente o “a”. O objeto “a” que escapa ao campo do imaginário e surge no lugar da falta do Outro.
Discurso do Mestre
S1 S2 = Discurso marcado pela vontade de domínio, legislação. O S1 funciona como significante imperativo.
Nível manifesto, nos mostra a intenção de desconhecer o sujeito em sua divisão. É a escritura da sugestão, de uma palavra destinada a fascinar, a dominar. Com este domínio, faz-se uma ilusão de totalização, excluindo a divisão. O discurso do amo esconde assim seu segredo: o amo está castrado. Segredo este que o discurso histérico desmascara. S1
S este discurso tenta apagar a barra do Outro. A eliminação da falta é eliminação da subjetividade.
S//a O setor da formula nos mostra a disfunção entre S e “a” que impede a articulação da fórmula do fantasma S à a. Aqui o “a” acessível ao sujeito através da realidade do fantasma, nos revela a impotência do amo para captar o objeto causa de seu desejo, por mais que o escravo se ofereça. O amo aparece separado de sua verdade subjetiva, desconhecendo seu desejo.
Discurso do analista
a – S Estando o “a” em cima e a esquerda, lugar do agente e sendo
S2 S1
sustentando por S2, nesta posição o saber está no lugar da verdade, podendo delimitar o real com sua impossibilidade e interpelar o S. Como resultado teremos S1 que dará ao sujeito seus significantes fundamentais que o capturaram e conseqüentemente o sujeito se deparará com sua divisão.
Concluindo:
O vazio é determinante...
“A análise presume, do desejo, que ele se inscreve por uma contingência corporal”, pára de não se escrever, coceira interna sintoma desta cliente. Aí está a função fálica de um modo contingente, enquanto que se submete a relação sexual no regime do encontro, pára de não se escrever, algo pára, mas o real não pode ser eliminado pois de não se escrever é o final desta frase. Há uma lacuna que não se elimina, há um ponto da estrutura que não responde, há algo da necessidade que insiste.
Freud na Conferência XVII, das Conferências Introdutórias de 1916 “O Sentido do Sintoma”, diz “Os sintomas neuróticos, têm um sentido”... um sentido particular.. Para que este significante “coceira interna”, faça algum sentido para ela, ele necessita estar concatenado na cadeia, não podendo ser reduzido apenas ao simbólico, pois, aí esta o real, na resistência e insistência da coceira. Há um impossível na repetição necessário de ser considerado que nenhum saber médico poderá elimina-lo. O “não pára de se escrever” tenta uma escrita, porém algo não se escreve, o impossível.
Só o discurso analítico pode fazer a escritura do real para que o sintoma faça sentido, podendo produzir o S1, como o significante do gozo e segundo Lacan “do gozo mesmo mais idiota... que tem mesmo sua função de referência, gozo também o mais singular” •••••
Então o sintoma não é para ser eliminado pois ele é estrutural e pela experiência analítica, ele pode ser reduzido até ao impossível de dizer.
Então o que fazer com ele?
Reduzi-lo a um ponto onde a pessoa possa se servir dele.
Yáskara Sotero Natividade Veado
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi
[1] Lacan. In: Seminário XVII.
[2] RABINOVICH, Diana. O Psicanalista entre o amo e o pedagogo. 4 discursos.
[2] RABINOVICH, Diana. O Psicanalista entre o amo e o pedagogo. 4 discursos.
Querida Dra. Yaskara, brilhante abordagem e clínica.
ResponderExcluirOtaviano
otavianocoelho@uol.com.br
Que surpresa Dra. Yaskara! Que artigo maravilhoso!
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