segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Borges e a Biblioteca

Suzana Márcia Dumont Braga
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi


“A escrita metódica distrai-me da presente condição dos ‘’homens. A certeza de que tudo está escrito nos anula ou nos faz fantasmagóricos” 78(Jorge Luís Borges in Biblioteca de Babel).


O espaço da biblioteca é o espaço que o dentro e o fora se entretecem de maneira moebiana. Nada nem ninguém sobrevive ensimesmado. As trocas são fundamentais desde o momento da constituição do eu. Só há eu porque existe Outro, que nos encanta com lalangue, sedução primeira e fundamental.Que espaço é esse supostamente de fora, que a biblioteca se propõe trazer pra dentro? Já colocando em prática este movimento, talvez seja interessante tomar como referencia a Biblioteca de Babel, conto de Jorge Luis Borges.

Ora, sabe-se que a Torre de Babel, segundo a narrativa bíblica no Gênesis foi uma torre construída por um povo com o objetivo que o cume chegasse ao céu. Deus parou este projeto ao confundir a sua linguagem e espalhar o povo sobre toda a terra. Esta história é usada para explicar a existência de muitas línguas e raças diferentes.

Como na historia do gênesis, os homens pretendiam chegar ao céu do conhecimento e supunham encontrar na biblioteca as suas respostas. “Quando se programou que a biblioteca abrangia todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens se sentiram senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloqüente solução não existisse em algum hexágono (parte da biblioteca). O universo estava justificado, o universo bruscamente usurpou as dimensões ilimitadas da esperança.” E apesar de ter sido vista como esperança da humanidade para se explicar ou para explicar a origem do tempo e da própria biblioteca, tudo foi em vão. E assim, o tempo da esperança foi sucedido pelo tempo de uma depressão. “A certeza de que alguma prateleira em algum hexágono encerrava livros preciosos e de que esse livros preciosos eram inacessíveis pareceu quase intolerável.” (p.75) Ou seja, seu saber era inatingível.

O que esta biblioteca infinita e tão fracassada em seu propósito de trazer respostas totalizantes pode nos servir quando nos propomos a falar de uma proposta para uma biblioteca numa escola de psicanálise?

Borges nos apresenta uma biblioteca que traz em si mesma algo insondável, a pretensão de que se possa apreender o real é uma falácia. Os mistérios da condição humana são inerentes ao nosso existir e a literatura de Borges nos mostra isso, de maneira despretenciosa, já na década de 40, quando este conto foi escrito.

Qualquer saber produzido será sempre incompleto, como já está em Freud (1915), ao afirmar a existência do inconsciente. Também a existência da Escola só é possível como uma construção em torno do furo. Deparamo-nos com o furo, sobretudo quando é preciso fazer circular, fazer pulsar o saber que se retém ali. A perspectiva do furo requer algo da ordem da invenção. Então... inventamos, vamos adiante, fazendo do furo uma causa.

Retorno a Borges: “agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer a umas poucas léguas do hexágono onde nasci.(70)”

Ora se escrevemos apesar da dificuldade de decifrar, se o saber é um meio dizer, há sempre um convite para o novo. Outras áreas são bem vindas, interlocuções são de bom alvitre. Não há um livro sobre os livros, não há um saber que se sobreponha a outro. Nem mesmo o saber da psicanálise.

A psicanálise pode e deve ser afetada por outros campos, interessa-nos tanto os reflexos da psicanálise em extensão para pensar a clinica - seu espaço por excelência - como também ver como outros saberes, outras produções podem nos colocar em movimento. O conto de Borges pode ser visto como uma mostração disso.

Suzana Márcia Dumont Braga
Psicanalista
Membro da Escola Freudiana de Belo Horizonte/iepsi.



Bibliografia

Borges, Jorge Luis – A biblioteca de Babel. In: Ficções. São Paulo. Ed Companhia das letras, 2007

Goldman, Bejla – A escritura como parceiro-sinthoma: Borges e a biblioteca de Babel.

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